sexta-feira, 17 de abril de 2015

Primeira consulta


Após nove anos do falecimento da minha mãe, finalmente percebi que não conseguiria me “curar” do trauma de sua doença sem ajuda médica. Já estava usando medicamentos naturais e homeopáticos desde um ano após sua partida, que fizeram efeito por um tempo, mas nunca me livraram dos momentos de pânico, das noites mal dormidas, enfim, da ansiedade generalizada que já fazia parte de mim como algo natural, quase que fisiológico, sem eu perceber que tais sintomas não eram normais.

Em uma manhã comum, após uma noite praticamente sem dormir, o sono, o desânimo e uma angústia profunda tomaram conta do meu corpo e não consegui levantar para ir trabalhar. Depressão, essa palavra me veio à cabeça. Lembrei-me de um momento em que eu havia passado alguns meses atrás, em que ao receber do meu marido uma notícia que um conhecido nosso havia tido um infarto fulminante, pensei: “Que sorte, não vai mais precisar viver nesse mundo...” Esse pensamento me incomodou no momento, tentei focar em outra coisa e acreditar que ele não fazia parte de mim, ou que pelo menos não podia fazer, pois vai de encontro a tudo que eu acredito. Mas esse sentimento fazia parte de mim sim e faz. Em alguns momentos ele aparece, e cheguei à conclusão que precisava ser tratado. Nesse dia então não fui trabalhar e marquei o médico que eu temia marcar durante nove anos. “Ele vai te receitar drogas pesadas” as pessoas me diziam, e naquele dia então eu pensei: “E daí? Eu já tomo drogas pesadas para dormir de vez em quando, e ultimamente havia se tornado de vez em sempre.” Fui então ao médico que eu já havia ensaiado ir fazia tempo. O temido psiquiatra.
- Em que posso ajudar? – A pergunta foi mais ou menos essa. Igual a de todos os outros médicos “normais”.
- Tenho ansiedade generalizada. Um médico homeopata me diagnosticou com esse problema. Eu fazia tratamentos com homeopatia e remédios naturais, mas depois que me mudei de cidade não tenho mais conseguido ir nele.
- Percebeu melhora com a homeopatia?
-No inicio sim. Mas continuo com os sintomas de ansiedade às vezes...
- Normalmente esses remédios não fazem efeitos por muito tempo mesmo... - Ele respondeu obviamente defendendo o lado alopático, mas sem interferir muito na crença do homeopático. – A ansiedade pode ser algo natural ou uma doença. Precisamos saber até que ponto é normal. A ansiedade é necessária para sobrevivência. Vou dar um exemplo dos peixes no mar... – Sua voz era completamente lenta e suave. – Os tubarões, por exemplo... Percebe como eles nadam?...Eles quase não se movimentam... Nadam tranquilos... Sem pressa... – “Assim como você está falando? Não da para falar mais rápido e ir direto ao assunto?” – Pensei. Percebi então o quanto eu estava, ou melhor, o quanto eu era ansiosa para chegar rápido ao final de tudo. Eu queria chegar logo ao final da consulta com a receita do meu medicamento tarja preta, sem enrolação. Naquele momento cheguei a pensar que era o médico quem tinha problemas por ser tão tranquilo e não eu por ser tão agitada internamente. Minha cabeça estava a mil km por hora e as palavras dele a dez km por hora. E ele continuou. – Já os peixes pequenos, já percebeu como eles nadam rápido?... Se debatendo... Sempre com medo de serem devorados pelo tubarão... Precisam estar sempre atentos para sobreviverem... Essa “ansiedade” faz parte do seu instinto de sobrevivência... - Ele falava muito calmamente. No começo da conversar pensei que estava falando algo sem sentindo, mas no final entendi onde ele queria chegar com a história dos peixes.
- O que você sente que mais te incomoda? – Ele me perguntou.
- Insônia. Estou passando por um momento de reestruturação no trabalho e estou tomando alprazolam para conseguir relaxar e dormir.
- Qual dosagem? – Ele fez uma cara de não muito satisfeito.
- A mais baixa. Não tomo sempre, ultimamente que tenho usado todos os dias.
- Quem te prescreveu? E há quanto tempo mais ou menos está tomando direto?
- Um gastro me prescreveu há muito tempo para tomar como S.O.S. nas minhas crises de gastrite nervosa. Ele me receitou um natural também. Então eu tomava o natural todos os dias, e nas crises tomava o alprazolam. Ultimamente, como estou muito ansiosa, andei usando o ansiolítico por uns dois meses direto durante a semana.
- Vamos tirar esse remédio. Ele não é bom, causa dependência e não vai curar sua ansiedade.
“Como assim tirar? Vim aqui querendo uma receita do tarja preta, pois o meu esta acabando, e ele quer tirar? Vai me prescrever o que então?” – Pensei.
- O que mais você sente?
- Despersonalização.
- Descreva o que é isso.
“Ele não sabe??” Descrevi para ele o episódio do espelho, disse que desde então tive algumas outras crises e isso me impedia de fazer algumas coisas, como dirigir por exemplo. Tive algumas crises de pânico também, dessas que a gente acha que está enfartando, o coração acelera, tudo escurece, falta ar... Mas no fundo a gente sabe que é apenas coisa da nossa cabeça.

Ele me disse então o nome do remédio que iria me prescrever e me explicou como ele agiria no meu organismo. Explicou que normalmente a ansiedade generalizada é causada pelo desequilíbrio dos neurotransmissores, como a serotonina, no cérebro. E me receitou um antidepressivo que também age como ansiolítico, um medicamento novo com poucos efeitos colaterais, e que age apenas nos receptores da serotonina. Disse que na primeira semana era para usar metade de um comprimido e aumentar a dose após uma semana. E que no primeiro mês era para usar junto com o tarja preta, pois o remédio novo só iria fazer efeito após um mês de uso. E me explicou que eu deveria tirar o tarja preta também gradativamente, por isso me receitou um outro em gotas.

Claro que não comecei a usar o tal antidepressivo no mesmo dia que fui ao médico, nem na mesma semana. A ideia de usar dois remédios controlados associados, mesmo sendo apenas por um mês, me deixava com medo, e o tarja preta que ele me receitou para usar por um mês também era um remédio novo para mim. Seriam dois novos e o medo das reações adversas era enorme. Guardei então a receita até resolver se iria fazer o que o médico falou ou não, ou se iria apenas parar de tomar o tarja preta quando eu achava que devia, como já havia feito outras vezes. “Será que vale a pena começar a tomar antidepressivos? As crises não ocorrem sempre.” Eu repetia isso para mim mesma e para os familiares mais próximos.

Até que em um domingo (óbvio que não poderia ser outro dia), véspera de uma semana de trabalho que seria cansativa e desanimadora, tive uma crise antes de dormir. Foi um pouco diferente das que eu já havia sentido. Das outras vezes as crises demoravam um pouco, mas passavam. Sumiam da mesma forma que haviam surgido. Mas, dessa vez, senti uma angústia muito forte e não conseguia parar de chorar. Percebi que as horas passavam e a angústia, o choro e a vontade de “sumir” não cessavam. Tive que tomar um alprazolam para me acalmar, e só consegui dormir após o efeito do remédio.

No outro dia eu estava disposta a iniciar o tratamento com o antidepressivo. Definitivamente, eu não queria mais sentir o desânimo que estava sentindo e queria me livrar dessas crises de angústia sem nenhum motivo aparente, assim como das crises de pânico, ansiedade e insônia que me acompanhavam desde a infância. Procurei outro médico, uma segunda opinião, e entrei para o mundo maravilhoso das drogas antidepressivas.

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